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 SOMOS PARTE DO PROBLEMA OU PARTE DA SOLUÇÃO?

     A crise (econômica, política, ética) abre a cada dia um novo capítulo de horrores com atores antigos e novos, e indica que está em curso uma profunda crise humana. Esta crise não diz respeito apenas a alguns que se desviaram, mas virou mentalidade comum e envolve, em alguma medida, a todos. Todas as categorias profissionais, todas as pessoas tendem a lançar mão de alguma artimanha para conseguir alguma vantagem, para ganhar mais do que seria justo.

     Esta postura que valoriza a esperteza e busca vantagens se generalizou tornando-se presente no quotidiano como mentalidade e modo de agir contrários ao bem comum, com infrações que, em alguns casos, chegam a estruturar formas de organizações criminosas de grandes dimensões.

     Esta mentalidade disseminada gera modos de conviver caracterizado pela desconfiança e pela agressividade, pela indiferença ao drama que as pessoas e as famílias enfrentam. Por exemplo, tomando leite, às vezes nos perguntamos: o que será que eu estou bebendo? Ou, consertando o carro numa oficina, perguntamos: a peça defeituosa que ele me mostrou será que é mesmo do meu carro e que foi trocada por outra nova? E no posto de gasolina pensamos: Quanta água ou outros produtos estarão misturados a esta gasolina? Essa desconfiança envolve desde as grandes obras do governo para beneficiar a população (quantos recursos terão sido desviados em tal obra?) até as relações quotidianas e mesmo familiares (será que esse meu irmão, que administrou os bens do nosso velho pai, não aproveitou?).

     Esta desconfiança generalizada é mais grave do que as crises econômica, política e ética, porque não é reconhecida como problema e porque onde ela domina as relações, a vida em sociedade não flui e não constrói o  bem comum e a paz. Nada de grande pode ser construído por pessoas que não confiam umas nas outras.

     Este clima da convivência social favorece o crescimento das mentiras, da agressividade, do cinismo, especialmente nas tentativas de legitimar comportamentos contrários ao bem comum e à lei, evidenciando-se o colapso das evidências que nos faz mergulhar no mundo da pós-verdade.

     Diante dessa realidade, podemos continuar tentando estabelecer a divisão entre “nós” e “eles”. Nós, não envolvidos, não investigados e, por isso, supostamente “honestos” e “eles”, os malfeitores e aproveitadores que foram apanhados em alguma infração, os delatados, os réus. Nesta tentativa de contraposição entre nós e eles, o jogo das mentiras torna-se obsessivo e surreal, a razão deixa de ser o instrumento para buscar a verdade e torna-se instrumento para fabricar argumentos em defesa dos próprios interesses. O uso do poder (judiciário, midiático, das armas, etc.) para vencer os conflitos toma o lugar di diálogo em busca de um bem maior do que interessa aos que se conflitam.

     O resultado disso é o crescimento da tensão na sociedade que se avoluma e gera agressividade e dureza nos relacionamentos, mas pode explodir em violência e brutalidade logo que aparece um pretexto (Pensamos na brutalidade do conflito entre encarcerados no Norte e Nordeste recentemente). Nesse horizonte, até mesmo as próximas eleições abrem escassas esperanças de renovação do contexto político nacional.

      Outra possibilidade é reconhecer que o problema é de cada pessoa, de todo cidadão que é provocado por estas circunstâncias a fazer uma revisão de vida, visando a criação de novas atitudes, de nova postura humana, possibilitando a reconquista da confiança desconstruída.

     Já foi identificada por estudiosos de diversas áreas a família como ambiente adequado para a construção de relações de confiança. Também é evidente a importância da comum referência ao Criador e Pai como fonte permanente de atitudes de acolhimento fraterno e à pessoa de Jesus Cristo como nascente de atitudes de caridade e misericórdia, base da confiança.

     Séculos de secularização puderam prosperar graças ao  aproveitamento da confiança gerada pela tradição cristã, mesmo atacada e vilipendiada, pois a  cultura laica e individualista é incapaz de produzir esse bem que é tipicamente relacional.

     Em contexto multicultural, é necessário que cada cultura, que contribuiu à construção do povo e brasileiro, resgate o que tem de melhor para a reconstrução da confiança nas relações quotidianas da sociedade. Recordamos dos indígenas, o amor à natureza; dos afrodescendentes, a alegria de viver e o senso do mistério; dos hebreus, os dez mandamentos e o amor à Palavra de Deus; dos povos asiáticos, a dedicação à família e a sobriedade na maneira de viver; dos cristãos, evangélicos e católicos, o amor ao próximo e a caridade fraterna.

      Dom João Carlos Petrini

Bispo de Camaçari Presidente do Regional NE 3 da CNBB

REFERÊNCIAS   PEYREFITTE, A. A sociedade de confiança: ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Topbooks, Instituto liberal, 1999.   MACHADO, Luís A. and VELOSO, Ana. O desenvolvimento da confiança nas comunidades terapêuticas e o seu impacto na adesão ao tratamento. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2011, vol.24, n.3, pp. 523-532. ISSN 0102-7972. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000300013.   MENNA BARRETO, Ricardo. Tempo, Direito e Confiança a partir de uma Observação Sistêmico-Complexa. Revista Sociologia Jurídica - ISSN: 1809-2721. Disponível em: < http://sociologiajuridica.net.br/numero-11/262-barreto-ricardo-menna-tempo-direito-e-confianca-a-partir-de-uma-observacao-sistemico-complexa > Acessado em 11/06/15.   SANTOS, Cristiane Pizzutti dos; TERRES, Mellina da Silva. Exame da confiança interpessoal baseada no afeto. REGE, São Paulo – SP, Brasil, v. 18, n. 3, p. 427-449, jul./set. 2011. Disponível em: < http://www.anpad.org.br/admin/pdf/ema31.pdf  > Acessado em 11/06/15.

 
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